OS ÚLTIMOS AVIÕEZINHOS

Como todos, tenho uma relação afetiva com aviões. Brinquei com avião de papel que bastava dobrar uma folha ao meio, amassar para dentro as extremidades e ajustar o restante do corpo. Brinquei também com avião de madeira, que não voava, mas enchia a mão e podia aterrissá-lo na mesa entre os pratos e os talheres, e, finalmente, ganhei um avião de lâminas de metal que tinha peso, cabina de piloto, duas rodas e um motor em cada lado debaixo da asa dupla. Também soltei aviões do alto da casa, soube arremessá-los com a funda - que era como se dizia em vez de
estilingue - com mais apuro e dedicação. Acho que fui menos apaixonado por pandorga, mesmo que tivesse roncador e rabo responsável. Os aviões me fascinavam. E quando cruzavam no céu, bem em cima da casa e desapareciam na nuvem, a fantasia de menino pobre era a de estar a bordo e passar acenando na certeza de que saberia voltar fazendo uma longa curva logo depois da nuvem. E então, abrir a porta com um movimento enérgico para o lado, fazendo um estrondo, descer pela escada metálica até colocar os dois pés firmemente na grama do campo de pouso entre vacas e galinhas desorientadas. E meu tio feliz com minha ousadia, era preciso passar a noite contando como é o mundo visto do alto. Cresci assim, apaixonado, mas não permitiram que fizesse o curso de piloto civil, um curso respeitado no Aeroclube. E depois, passou, fiquei apenas vendo os aviões, até chegar bem perto deles no Salgado Filho. Mas não tanto que pudesse tocá-los ou, supremo desejo adolescente, subir a escada, entrar num deles, sentar na terceira fila, apertar o cinto e imaginar como seria a despressurização, o frio na barriga, o rio na janela, o enjôo. A primeira vez que fiz check-in e me chamaram para o portão de embarque faz muito tempo e devo misturar essa experiência finalmente feita com outras. Já não lembro do aeroporto, muito menos do tipo de avião, tenho certeza de que se entrava no avião subindo e era preciso continuar subindo por dentro dele porque ficava bem inclinado. Era um Curtis, não era? Agora, se olho as imagens, leio os depoimentos e sinto a trespassada dor de Congonhas, não sonho mais, nem tenho alegrias. Todos os meus aviõezinhos escorregaram na pista e explodiram.



Ruy Carlos Ostermann

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