LOGO QUE O SOL BAIXAVA

Nunca fui de enfeitar muito. Gosto de conversar, é verdade, dar palestra, fazer discurso ou espichar uma confissão cada vez mais freqüente sobre os meus velhos anos. Mas não enfeitar, ir traçando uma fantasia só pelo prazer de ver as frases se articulando e no sentido delas irem crescendo aos poucos como se pudessem emitir um sinal. Ou uma súbita revelação.
Lembro de quando era criança na casa da minha avó, que era um pequeno sítio com laranjeiras, repolhos, galinhas e, às vezes, um porco. Tio Emílio cuidava da rocinha, das plantas, abria mais o caminho que levava por dentro até o outro lado que era onde estavam as melancias do seu Rungger, um homem baixo, quieto, acompanhado de um cachoro igualmente baixo e retacão Mas não era das melancias que queria falar. Era do entardecer no sitio da vó. Logo que o sol baixava atrás da casa de madeira, acendia-se uma lâmpada na sala, mas o desejo que tinha era de ir para a cama. Travesseiro e coberta estofados com penas de pato, fofas, leves, duravam alguns minutos para se assentar sobre o meu corpo protegido com um pijama de lã de gola fechada e abaixo dos pés. Esperava por essa hora de ir para a cama com ligeira ansiedade. Apagava-se a lâmpada do alto do teto, fechava-se a porta, os ruídos ficavam na cozinha ao redor do fogão à lenha, que secava as toalhas e os panos de pratos dependurados um a um pelo corrimão. Fechava os olhos, abria os braços e começava a pensar. Pensava comprido, nada dos livros que ainda não lia nem dos jornais que não tínhamos, alguma coisa dos domingos pela manhã - eu sabia que era domingo de manhã pelo rádio ligado em cima da cômoda. Imaginava todos os animais do sítio, com preferência para o Lord, o peludo policial alemão, ou então os patos e o casal de gansos que me bicava toda vez os botões redondos da camisa listrada. E inventava histórias em que era o protagonista bem-intencionado que dava ordem ao galpão e ao galinheiro sem abdicar dos sustos com as cobras que apareciam de repente - tinha sobressaltos. Tudo que pensava se realizava, deve ser por isso que não esqueço.


Ruy Carlos Ostermann


Turma T 41




Turma T 61

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