A amabilidade dos aviões

Era fácil fazer um aviãozinho. Uma folha de papel almaço dobrada ao meio longitudinalmente, duas dobras numa das extremidades, uma volta ao modelo anterior e a abertura de duas asas. Não se precisava mais: voava impulsionado pela mão e, às vezes, dava voltas e aterrissava docemente. Mas aí dependia do tamanho das asas e, segundo aprendi mais velho e já desiludido com aviõezinhos, dependia também da duplicação das asas e, em alguns casos, da possibilidade de um rabo.Aviões não são mais. Agora são aeronaves e não se fazem mais de papel. Também já
não se fecham mais simplesmente as portas. Tratam-se agora de procedimentos com as portas, e disso deve se encarregar a tripulação do vôo, formada por comissários de bordo e chefe de equipe. "Essa aeronave está dotada de duas portas...", diz, enfático, o comissário pelo alto-falante. Fala em português antigo e em inglês impossível. Aliás, to, como indicador de direção, é tiu, e como perguntasse o porquê - já que me parecia tão simples dizer apenas tu -
me responderam várias vezes que é tiu, mas eles não sabiam o motivo. É uma alegação definitiva, pensei, e não perguntei mais. Nos aeroportos a Iris Lettieri anuncia todos os vôos que saem ou que chegam. E se não é ela, que já faz tempo gravou essas orientações, é alguém imitando sua inconfundível inflexão de sedutora voz nos ãos e nas proparoxítonas. Um velho charme, como se fosse uma cantada. Falsa ou verdadeira, é a última amabilidade dos aeroportos.

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